Eu não queria falar disto, pois, tudo isto, vem na sequência de um acontecimento que até em mim me deixa um peso, quanto mais aos envolvidos.

Contudo, não posso deixar de me surpreender com todas estas questões das praxes e com a feroz defesa que é montada à volta das mesmas, só porque há indícios que toda a tragédia possa ter sido causada por um ritual de praxe.

Há algumas coisas em particular que me incomodam muito na posição de defesa da praxe.

Uma delas é aquela velha balela de que a praxe serve para integrar os novos alunos. Vivendo no Séc. XXI, seria, talvez, fácil de entender que nem toda a gente reage da mesma maneira aos mesmos estímulos e, por sua vez, a realização de rituais em que a humilhação disfarçada é o mote não é propriamente a maneira mais consensual. Seria muito mais consensual promover actividades de um carácter mais lúdico onde cada aluno pudesse escolher qual a actividade mais apropriada para si e para os seus gostos e que lhe daria a melhor possibilidade de conhecer pessoas que se encaixem no seu "mundo" por assim dizer. Portanto num ambiente em que o essencial é ter e providenciar escolhas às pessoas, a ideia de integração daqueles que são a favor das praxes é, precisamente, não dar escolha.

Mas, ouço os clamores a articular, mas as pessoas têm escolha, se não quiserem ser praxadas não são. Isto é a maior falácia que se pode dizer e, do fundo do meu coração, desejo que quem diz isso seja decapitado pelo mais fulminante machado.

É uma falácia porque eu já assisti a um caso e vivi de perto com outro caso em que ambos não quiseram ser praxados.
No primeiro um colega, que viria a tornar-se um grande amigo, recusou-se a ser praxado no recinto comum da escola. Foi perseguido até à sala de aula por um grupo de galinhas que insistia que ele não podia recusar-se porque toda a gente tinha sido praxada e porque ele estava a ser "má onda", até a professora interviu em favor da praxe interpelando esse colega a deixar-se praxar. Uma aula de história interrompida durante 30 minutos (sim, 30) porque houve uma ovelha negra que exerceu o seu direito de se recusar a ser praxado. Eu nesse dia fui praxado e nesse dia decidi que tinha sido a última vez que a praxe se relacionou comigo.
No fim o colega não foi praxado mas foi olhado de lado. Pelos praxantes e pelos praxados que não aceitavam que alguém se recusasse a ser humilhado como eles tinham sido.

No segundo caso, a posição de não ser foi recebida e depois motivo de uma pequena conversa aparte onde mais uma vez se não aceitas a praxe és má onda, estás a desrespeitar os teus colegas, estás a desrespeita as tradições da tua universidade (nem sei se hei-de rir ou chorar), é isso mesmo que queres? À manutenção da posição tomada em não ser praxada foi então declarada como aluna antipraxe. Porque não podes ser indiferente. Se não queres és anti. E os olhares de lado prolongaram-se durante toda a licenciatura.

Paralela nestes dois momentos é a coacção. A pressão para que te encaixes, a rotulação se não te encaixares, etc, etc. E nem adianta vir com fábulas (sim, fábulas no sentido de só nas fábulas é que porcos e burros falam*) de pessoas que se recusaram mas que depois se vieram a dar bem com toda a gente. Pois bem, remetendo para o que disse acima, as pessoas não reagem da mesma maneira aos mesmos estímulos. Mais uma vez, trata-se de reduzir oportunidades e liberdade de escolha. É só a praxe, mas não é por isso que deixa de ser algo que pode afectar negativamente ou positivamente as pessoas.

Finalmente, a hipocrisia geral que são os seguintes factos.
-Quando há um livro que os professores revelam obrigatório de comprar, é imediata a aparência de carpideiras que, meu deus, não têm dinheiro. Mas têm traje que têm, quando comprados nas lojas, um valor pornográfico. Já para não falar dos jantares de curso ou, pelos vistos, de casas alugadas até, só para passar uns dias com vista a evoluir na vida.
-Têm o trabalho de justificar faltas para poder comparecer nas praxes, porque, obviamente, pagam as propinas para ir à praxe.
-Farto-me de ouvir rapazes a dizer "Eu?! Fato e gravata?! Nunca!". Mas quando se trata de envergar o traje, faça frio ou calor, aí andam eles. A escorrer suor pela focinheira abaixo.
-Farto-me de ouvir raparigas a dizer "Eu uso o que quiser, liberdade e não à objectificação das mulheres. Eu visto o que quiser independentemente da opinião dos meus pais ou do meu namorado, pensem o que quiser. Eu sou assim e não vou mudar". Chega à altura de andar de traje, em que são obrigadas a andar sem brincos, sem pulseiras, com sapatos simples em que até definem a altura do salto, e a resposta delas? Não há problema. São nestes momentos em que por um segundo a minha visão treme e apenas vejo um borratado da realidade, tal impulso de repugnância para com este mundo.

E a lista de coisas que eu poderia enumerar é extensa. Mas nem sequer vale a pena. Apenas fica aqui a minha opinião. E qualquer defesa destes factos é, desde logo, inexequível.

*Os porquinhos e os burrinhos que me perdoem, pois como animais não tenho defeito a apontar-lhes, bem pelo contrário.