Fado não é Portugal

Hoje, ou ontem, fez um ano da elevação do fado a património da humanidade.

Desta forma venho aqui expressar o que eu penso sobre isso.

Antes de mais queria fazer umas anotações prévias.
Primeiro, não gosto especialmente de fado. Não tenho nada contra e, por vezes, é até agradável ouvir as composições de alguns fados (mais concretamente, os instrumentais).
Segundo, também não tenho nada contra a distinção em si.

Posto isto há várias coisas que passam na tv e nos jornais que me desagradam profundamente.

É com alma cheia que os fadistas e guitarristas e especialistas na matéria falam no fado como identidade da nação, contudo, é também com naturalidade que afirmam que passa-se tudo em Lisboa.

São as ruas de Lisboa que são cantadas no fado e o fado é cantado nas ruas de Lisboa. E é verdade, o fado de que toda a gente fala e que toda a gente elogia é o fado de Lisboa. Daí que é extremamente errado afirmar que o fado represente a cultura portuguesa. Afirmações deste género servem apenas para formatar uma opinião acerca de um substantivo que represente a nacionalidade. Fado não representa a nacionalidade.Nem nunca representará. Pode, efectivamente, vir a ser conhecido por ser a música de Portugal, à custa da forte publicidade à volta do mesmo, mas nunca o será verdadeiramente e muito menos representará Portugal.

E porquê? Perguntam as pessoas. Porque fora de Lisboa poucos são os lugares em que as pessoas realmente se interessam pelo fado. Basta ir, sei lá, à Serra da Estrela, e perguntarem-se acerca da importância do fado lá. O mesmo no Porto, Braga, Guimarães, Aveiro, Vila Real, Bragança, Viana do Castelo etc etc. Não implica isto que o fado não seja cantado nestas cidades ou que não hajam concertos de fado nestas cidades. Implica é que não tem nada a ver com a raíz cultural de 99% do país.

O fado, diz-me tanto a mim, em termos de matriz cultural, que não sou de Lisboa, como me diz o Jazz. É uma música passa ocasionalmente na rádio e vê-se ocasionalmente em concertos. E cabe na cabeça de alguém dizer que o Jazz é a identidade de Portugal? Ou que o rock é a identidade de Portugal?

As origens do fado são portuguesas e vêm do cancioneiro medieval, segundo uns. As origens do fado vêm de uma musiquinha brasileira, segundo outros. Há muitas teorias acerca da origem,
A verdade é que o fado, como o conhecemos hoje, apenas é popularizado no Séc XIX em Lisboa. Alguém me sabe dizer porque é que não consideram o fado uma música de Lisboa? Uma identidade de Lisboa. Porque é que tem de ser uma coisa para todo o país, quando, claramente, não faz a mais pequena diferença no resto do país?

Apresenta-se no fado a mesma questão que se apresenta com a Lusitânia. O mito de que somos todos lusitanos. Os substantivos abstractos que nos levam a formar uma identidade nacional. Por mim, eles são normais, até certo ponto. Contudo, estes são uma aberração.

Nós não somos todos Lusitanos. Nós não somos todos personagens que aparecem no fado. Ainda para mais quando o fado é considerado algo do litoral e até citadino (por momentos, deixei de ouvir o choro daqueles que supostamente se preocupam com a desertificação do interior).

Há milhares de tradições esquecidas por aí. Muito mais antigas que o fado e muito mais significativas das nossas origens. Daí que me oponha, e sempre me irei opôr, a esta generalização do fado como canção nacional. Não é, nunca foi e nunca será.

A manif

No meio da enchurrada de merda que veio dos dois lados da manifestação encontra-se pouca coisa que valha a pena realçar.

Uns levaram na cara, outros deram na cara. Uns insultaram, outros foram insultados. Uns criticaram a polícia por bater em pais com crianças e outros levaram crianças para esse ambiente completamente saudável que é uma manifestação.

E aqueles que falaram muito durante a manifestação, calaram e consentiram quando meia dúzia de orcs decidiu que era fixe atacar a polícia e depois queixaram-se que a polícia devia ter encetado uma perseguição à "Knight Rider" aos desordeiros.

Assim que a violência começou a escalar, com arremesso de objectos às forças de segurança, a manfestação deixou de estar controlada pela multidão pacífica que tem todo o direito a manifestar-se e a opôr-se ao que quer que lhes apeteça, e passou a ser controlada por grupos tudo menos pacíficos. Talvez anarquistas, talvez nacionalistas. Ambos grupos profundamente desprezíveis (os anarquistas e nacionalistas), mas ninguém arredou pé.

Obviamente, as coisas iam acabar dessa forma, porque esses movimentos que agem pela calada devem ser pontualmente reprimidos de forma autoritária. É claro que 99% dos manifestantes não se associam (espero eu) a essas causas, mas como poderia ser feita uma intervenção autoritária sem que se reprimisse toda a gente? Não se podia.

De qualquer das maneiras, a ignorância e irreflexão das pessoas é algo que também já é de esperar. E já era de esperar que muita gente se viesse queixar quando o seu pequeno mundo foi invadido de cenas de pancadaria. Naturalmente, ninguém gosta de levar porrada, mas qualquer pessoa razoável vê que era o que, inevitavelmente, iria acontecer.

Contudo, a mim o que mais me incomoda é algo que tenho lido por aí pela blogosfera e comentários nos jornais online.

Quando as pessoas se estão a queixar que a intervenção policial foi injusta e vêem a sua opinião contraposta, por vezes, saem-se com este lindo "soundbite".

"Nós estávamos a lutar pelos vossos direitos!"

E a questão é a seguinte. Eu não pedi a ninguém para se ir manifestar, aliás, francamente, aquela greve foi uma grande perda de tempo. E mais, nesse dia estava num estado tão febril e gripal que nem as notícias vi direito, quanto mais preocupar-me com a manifestação.

Mas a ideia é esta. Eu não pedi, nem pedirei, nem irei a qualquer tipo de manifestação como aquela que aconteceu. É uma perda de tempo. E é um exercício de demagogia surreal, digna da maior ficção científica. Toda a gente quer mudança, só não sabe para o quê (a não ser que se seja o Manuel Londreira, claro).
O que as pessoas querem é, basicamente, que se rasgue o memorando de entendimento com o FMI e com a UE e tudo será rosas e seda. Nem vou perder tempo a explicar que sairmos da UE seremos um país de terceiro mundo num piscar de olhos etc. Ou que as nossas poupanças se reduzirão em metade, ou que segundo estudos cada português perderia 11 000€ num ano em que se voltasse ao escudo etc etc etc.
Tudo o que implique um afastamento da UE eu sou contra, e como tal, sou, ou melhor, fui contra a manifestação.

Por isso não me venham dizer que lutaram pelos meus direitos. Não façam das vossas palavras de ordem as palavras de ordem de Portugal inteiro. Lutaram pelos vossos direitos e por aquilo que acham justo, mais nada. Se levaram na tromba foi porque estavam a lutar por vós próprios e não por mim. Basicamente, não se armem em mártires.

Eu participaria numa manifestação e até num movimento cívico/partidário onde se denunciassem as ineficiências do estado, entre as quais muitas coisas que os manifestantes em geral criticam acerca dos políticos que gastam muito dinheiro, eu estou de acordo nessa matéria, mas isso não é suficiente. Estaria de acordo em que se revogassem todos os benefícios que um funcionário público tem que um privado não tem (muitos já não gostam desta conversa não é?). Estaria de acordo em que um funcionário público fosse movido para onde o estado precisasse (obviamente com racionalidade, não se ia mandar ninguém do Algarve para Trás-Os-Montes) sem sequer ter possibilidade de apelar em contrário. E se recusasse essa mudança, ia para a rua que é o que acontece em qualquer empresa normal. Numa manifestação dessas eu até estaria. Limitar todas as reformas a 1300€. Ninguém ganha mais do que isso, o resto fica para aumentar as pessoas que ganham 200€ de reforma. E não haveria subsídios de natal e de férias para quem está reformado, nunca. Mas aí há um problema. Muitos reformados foram para a manifestação porque coitados ganham mais que 1500€ e vão perder parte da reforma. Realmente, pobreza.

Já disse aqui noutro post que o problema do estado é o problema do português e o problema do português é o problema do estado. O português endividou-se para comprar casa (normal), carro (supérfluo), férias (supérfluo) e agora não tem dinheiro. O estado endividou-se para compensar os bancos pelos créditos que não conseguem cobrar. E endividou-se para pagar subsídios às pessoas que ficaram sem emprego porque os seus patrões não souberam gerir os seus negócios. E agora pagamos todos. Tal como na manifestação, pagou o justo pelo pecador.

Mas os justos não têm o direito de fazer da sua causa a causa de toda a gente.

Afinal, liberdade. Não é?

Frases motivacionais

Faz-me confusão como algumas pessoas parecem depender de frases motivacionais. Quando se navega por aí em páginas pessoais, é frequente ver aquelas imagens partilhadas milhares de vezes, com dizeres escritos num português, por vezes, um bocado amacacado.

"Não se arrependa do que não fez"
"Não diga palavras permanentes para pessoas temporárias" (Pessoas temporárias são aquelas que se apagam naquela pasta do windows.Temp.)
"Um amigo de verdade distrai a amiga feia e gorda para que você possa ficar à vontade (com a outra que deve ser magra e com dentes de contraplacado)
"Trair? Não obrigada...Não troco uma vida por um momento. Não troco uma certeza por uma ilusão. Não troco o certo pelo duvidoso. Não troco uma felicidade por uma aventura"

Ou então a "punchline"
"Only God can judge me"

Independentemente de concordar, ou não, com as coisas que estão escritas nestas e noutras frases, tenho que dizer que acho bastante deprimente e problemático as pessoas terem de ler este tipo de frases fáceis e baratas para compreender ou afirmarem o que quer que seja.

Isto é, para mim, um problema muito grave. Parece que as pessoas têm de ter alguém que lhes diga o que é certo e o que é errado. O que devemos acreditar e o que devemos duvidar.

Na minha opinião devíamos antes questionar constantemente aquilo que fazemos. Não é preciso esperar pela frase que está no fakebook de alguém para percebermos o que quer que seja. Não é preciso ouvir aqueles amigos com a mania de psicólogos com frases feitas para percebermos o que quer que seja.
Na verdade as pessoas é que devem pensar e questionar-se sobre o que fizeram, o que fazem e o que farão no futuro.

Contudo, convenço-me que vivemos cada vez mais numa sociedade em que as pessoas esperam que as coisas lhes cheguem. Temos internet, tv, rádio e etc. Podemos ter acesso a todo o mundo sem sairmos da cama, mas a vantagem transforma-se em desvantagem quando apenas deixamos que a informação chegue até nós. Esse é o momento em que corremos o risco de sermos manipulados. Manipulados por notícias facciosas ou enviesadas. Manipulados por frases motivacionais com as quais concordamos, mas acerca das quais nunca sequer pensamos bem. Obviamente ninguém vai descobrir a sua personalidade na internet, mas pode certamente cultivá-la fortemente e, acima de tudo, independentemente.

Não estamos a falar daquela frase que queremos partilhar de uma música ou de um filme ou de um poema/livro. Estamos a falar de coisas ditas por um labrego qualquer que sabe tanto ou menos do que nós. E é nessas pessoas que devemos acreditar? E é nessas frases inócuas que devemos revelar o nosso ser?

Francamente, acho que não. Há uma música dos dEUS que começa por dizer "Want to know about my philosophy? MY Philosophy... You gotta be your own dog. Don't let anybody put a leash on you"

É hipócrita de cima abaixo eu estar a criticar as pessoas que partilham frases à toa e estar agora a fazer uma citação, mas a questão engraçada é que quando a voz diz my philosophy a verdade é que a filosofia dele é cada um ter a sua filosofia. You gotta be your own dog.

Há alguém que queira ser apenas ele próprio?

Americanadas

Os EUA são um exemplo sintomático daquilo que é ter sucesso. Há americanos bem sucedidos em todas as áreas, em todo o mundo. São um país estável e dominador. Etc e tal...

O facto é que ser americano, muitas vezes, acarreta uma vasta estupidez, nada comum de um país super desenvolvido.

Tome-se o exemplo dos tiroteios e massacres constantes que acontecem em solo norte-americano. O comum mortal membro do povo, é a maior vítima destes acontecimentos que derivam de uma política completamente medieval de posse de arma. No entanto são os mesmos que, maior parte das vezes, defendem com unhas e dentes esse direito de possuir uma arma para se defenderem. Ignorando que uma arma que serve para defender também serve para atacar e que é uma questão de tempo até uma arma cair nas mãos erradas de alguém que, supostamente, quer defender-se e acaba, na realidade, a atacar pessoas indiscriminadamente.

Mas para além de argumentarem que a posse de armas é boa para se defenderem ainda defendem um outro argumento que é, na minha opinião, sintomático da "pobreza" norte-americana.

Tenhamos então em atenção o seguinte excerto de uma reportagem acerca da opinião do Brad Pitt acerca de armas.

“America is a country founded on guns. It’s in our DNA. It’s very strange but I feel better having a gun. I really do. I don’t feel safe, I don’t feel the house is completely safe, if I don’t have one hidden somewhere. That’s my thinking, right or wrong.
“I got my first BB (air) gun when I was in nursery school. I got my first shotgun by first grade. I had shot a handgun by third grade and I grew up in a pretty sane environment. I was in the U.K. when the shootings happened and I did hear the discussion about gun control start again, and as far as I know it petered out as it always does.
“It’s just something with us. To turn around and ask us to give up our guns… I don’t know, we’re too afraid that we’re going to give up ours and the bad guys are still going to get theirs. It’s just in our thinking. I’m telling you, we don’t know America without guns.” 

Todo o argumento de Brad Pitt baseia-se na primeira frase. America is a country founded on guns. O grande conhecimento histórico de Brad Pitt assim o apoia.
Quem não se lembra das Guerras Mundiais que se desenvolviam dentro de cozinhas com Aliados a atirarem tachos e panelas contra os alemães?
Quem desconhece a Batalha de Aljubarrota em que para definir o vencedor desenvolveu-se um mortal jogo de sueca na casa da padeira que eventualmente fartou-se do barulho?
Quem desconhece o violento período Edo e da queda do shogunato japonês que se decidiu através de um intenso jogo de mikado?
Júlio César, o maior comandante militar de sempre, que venceu todas as batalhas através dos seus dotes culinários?
Tudo isto obviamente acabou quando os ingleses descobriram a piada mais mortífera do mundo, como muito bem documentado pelos Monty Python.

Brad Pitt argumentou e destrui o seu próprio argumento, facto fantástico (um aparte para dizer que isto acontece cada vez mais). Todos os países do mundo (senão todos, a grande maioria) são baseados em processos bélicos. É daí que vem a sua fundação. Não há nenhuma país, pelo menos países que vêm antes do Séc XX, que tenha sido fundado de bom agrado. O facto de Pitt afirmar tal coisa só revela ignorância e pré-formatação e, o pior, é que isto não acontece só com ele. Acontece com a vasta maioria dos americanos.
Obviamente, ele gaba-se de que quando andava na escola já tinha uma arma. Fixolas, não é?

E é assim a vida nos EUA. Nunca se preocupam com as coisas até que elas acontecem e, depois, quando acontecem "ai meu Deus Jesus Cristo".
O furacão Sandy é o pleno exemplo disso. Não desejo mal aos EUA, bem pelo contrário, mas sempre que há um furacão há desgraça. Casas construídas em madeira a flutuar e simplesmente a desaparecer é assunto comum nestas alturas. É o drama e toda a gente tem de apoiar os EUA que coitados têm poucos recursos.
O problema grave, pior do que todos os furacões do mundo, é que os americanos continuam a construir e a permitir a construção de casas de madeira (apenas a título de exemplo), porque enfim, fica mais barato. Contudo aquando do terramoto de 2011 no Japão, lembro-me de ler que os EUA criticaram a falta de preparação (???) do Japão, apenas por causa de Fukushima. Falam os EUA que têm centrais nucleares (cerca de metade) com mais de 30 anos em actividade e sem qualquer prova que esteja em condições para continuar a trabalhar, contudo as suas licenças de 40 anos estão a ser prolongadas por mais 20. Relembrem-me lá quem é que estava mal preparado... Já o Japão sofreu o quinto mais poderoso terramoto da história, seguido de um Tsunami e os EUA antes de tudo, acham que o Japão estava mal preparado.
Resumindo, daqui a uns tempos vem nova época de furacões e nova época de desastres e casas desaparecidas e mortos por todo o lado. E os americanos vão voltar a queixar-se da sua sorte.

O que, para mim, é chocante, é que os assuntos permanentes na agenda dos EUA nada têm a ver com a sua vida interna. Se lermos jornais americanos os temas sempre presentes são a guerra (fora dos EUA), acontecimentos de política externa e desporto. Quando devia ser ao contrário. Aqui em Portugal as pessoas borrifam-se completamente para o que se passa no estrangeiro, porque o que é mais importante é a nossa vida. Já os americanos estão constantemente à procura de coisas no estrangeiro, as quais possam criticar e falar de si próprios numa doutrina de auto engrandecimento.
Basta ler este artigo em que o autor começa por se sentir incomodado pela data escolhida para o anúncio da descoberta do Bosão de Higgs (sim, porque toda a gente sabe e festeja o dia da independência dos EUA) e acaba a realçar as universidades de onde vêm alguns cientistas que trabalham no acelerador de partículas que está... na Europa.

Enfim, é caso para dizer que americanos vão americanar. É pena porque é de facto um país excepcional e com coisas muito boas, mas que parece estar preso na sua lengalenga, hoje mais ou menos actual, daqui a uns anos, quem sabe, poderá ser completamente datada e inválida.